Restaurante de comida típica do Congo virou referência na causa dos refugiados, resistindo na luta humana e animal na cidade de São Paulo

Refugiado no Brasil desde 2010, o empreendedor Pitchou Luambo viu na culinária uma forma de construir uma ponte com a República Democrática do Congo, seu país de origem. Depois de trabalhar em diversas áreas, o advogado de formação inaugurou essa ponte em 2016, e lhe deu o nome de Congolinária. Com o objetivo de conectar diferentes culturas resistentes na capital paulistana o projeto começou em uma tenda na Vila Madalena, mudou de lugar e passou a dividir espaço com o Vitaminado Sucos & Sandubas, no mesmo bairro, até meados de 2017. Após um tempo sem espaço fixo, o restaurante se instalou, com a ajuda de uma campanha de financiamento coletivo, no andar de cima do Fatiado Discos, no Sumaré, onde permanece até hoje.

A riqueza da comida de Pitchou é tão grande que extrapola sabor e chega também à linguagem. Ler e entender os significados dos nomes e a composição de cada prato é tão empolgante quanto efetivamente comê-los. Tudo é digno de destaque. Nas entradas, as sambusas (pasteizinhos típicos africanos recheados com vegetais) já se tornaram marcas registradas, assim como o kachori, que é um bolinho frito à base de batata, shimeji e gengibre. Mas a coxinha do chef, numa releitura de massa bem temperada com especiarias e recheada com espinafre e creme de semente de girassol é sem dúvida uma das melhores versões veganas do salgado da cidade.

Durante a semana, alguns dias têm um pratos principais especiais. É o caso da feijoada do chef, uma interpretação do tradicional prato brasileiro com elementos congoleses, servida às quartas e sábados. Feita com feijão preto refogado no azeite de dendê com legumes e mix de cogumelos, o prato acompanha arroz branco cozido no suco de gengibre, farofa de banana da terra e couve na mwamba, em uma mistura que não é possível encontrar em outro lugar.

O acarajé também é outro velho conhecido que ganha nova roupagem. Servido tanto como entrada como prato principal (esse apenas às quintas), o bolinho de feijão fradinho é enorme e vem servido numa cama de quiabo refogado na mwamba (uma pasta de amendoim), e é garantia de saciedade pelo resto do dia.

Para os finais de semana, às sextas o prato do dia é o sokomutu, uma moqueca de banana da terra acompanhada de arroz branco, bolinho de feijão fradinho e farofa de amendoim; aos sábados, okapi, feito com kuanga (massa de mandioca fermentada) e acompanhada de feijão madesso (do tipo branco, refogado no azeite de dendê e funghi). Domingo é dia de bata, um arroz de côco com espinafre refogado no creme de semente de girassol, purê de milho verde fresco e dadinhos de tofu frito em especiarias para acompanhar.

Além desses, alguns pratos estão disponíveis todos os dias, como o ngombe, um nhoque de banana da terra com molho de tomate e shimeji e o mbuzi, feito com fufu (espécie de “polenta” africana) de farinha de milho ou arroz, couve na mwamba e banana da terra frita. São boas pedidas também o simba, de arroz pilao (com vegetais, cozido em especiarias e suco de gengibre), couve na mwamba e kachori, e o tembo, que além do arroz pilao, acompanha duas sambusas de vegetais e salada.

De terça a sábado, há a opção de combos de R$30, compostos por um prato principal do dia, suco e salada de frutas com uma deliciosa calda de hibisco. Já nos jantares de quinta, sexta e sábado, o restaurante oferece também a opção de rodízio. Por R$35, é possível provar um pouquinho de tudo que há de melhor na culinária do Congo. Os sucos servidos também são típicos e têm nomes próprios: o tangawisi leva gengibre, abacaxi e limão; o bissap é preparado hibisco com manga e tem uma textura densa e agradável, e o tomi também tem a textura da manga com o sabor marcante do tamarindo.

O cardápio, com ingredientes conhecidos, porém trabalhados de maneira única, conquistou rapidamente o público e transformou o espaço em um dos restaurantes étnicos mais conhecidos da cidade, dentro e fora do meio vegano, se tornando uma referência na cultura africana, ainda tão marginalizada e pouco difundida em meio à grande diversidade gastronômica pela qual São Paulo é conhecida. Sem veganizar a comida do país, a ideia é oferecer os pratos tradicionais que já são originalmente veganos, uma vez que os vegetais formam a base da alimentação congolesa.

Além da comida, a boneca de pano de pele negra que virou símbolo do restaurante e dá as boas vindas a quem entra, as cores vibrantes das paredes, os itens de decoração e o aconchegante atendimento (composto por uma equipe de pessoas negras, vale ressaltar) compõem a experiência, que é bem diferente do que costuma se ver por aí, ainda mais em restaurantes veganos, e que vai muito além do paladar. Tudo lá é cultura afro na sua mais pura manifestação, e é exatamente isso que Pitchou oferece: a prova mais saborosa de que comida é resistência e que as discussões sobre direitos humanos e dos animais caminham juntas, por meio de uma amostra autêntica da sua própria cultura.


Congolinária
Avenida Prof. Alfonso Bovero, 382 – Sumaré
Telefone: (11) 2615-8184
Horário de funcionamento: almoço de terça a domingo, das 12h às 15h; jantar de terça a sábado das 19h às 22h
Aceita cartões de débito, crédito e VR
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Guilherme Petro

Jornalista, cozinheiro e professor de culinária, é co-autor do Prato Firmeza – Guia Gastronômico das Quebradas e cria conteúdos sobre alimentação consciente e acessível. Acompanhe mais no Instagram @guilhermespetro.