Com suas raízes fincadas no underground brasileiro, a discussão sobre o veganismo segue viva na cena hardcore mesmo após sua popularização aos longo dos anos.

No meio hardcore, entre uma roda e outra, há sempre espaço para discutir a ligação entre e os direitos humanos e animais, colocando colocando em pauta também questões relacionadas ao especismo, racismo e sexismo, e como é possível ser subversivo também por meio do que escolhemos (não) comer. No Brasil, isso não é de hoje. Na década de 90 cresceu o número de pessoas denominadas Straight Edge, que optam por um estilo de vida totalmente livre de álcool, tabaco e outras drogas lícitas ou ilícitas, como um ato de rebeldia política e uma forma de proteger a saúde física e mental.

Apesar de não ser necessariamente uma regra do movimento, esse engajamento também se refletia na alimentação. Peças-chave na difusão do veganismo em uma época distante de hoje, na qual pouco se falava sobre isso, o sXe (como também são chamados) organizaram as Verduradas, que começaram em 1996 e foram frequentes ao longo dos anos 2000 até meados da década atual. O evento, que proibia a entrada de álcool, cigarros e produtos de origem animal, promovia apresentações de bandas, debates, palestras, exposições artísticas e, ao final, distribuía um jantar vegano gratuito, como uma forma de confraternização e conscientização do público.

Organizado pelo Coletivo Verdurada de maneira totalmente independente no método DIY (“do it yourself”, ou “faça você mesmo”, muito associado ao movimento punk), foi o mais importante evento do desse estilo no Brasil, sendo um dos poucos festivais independentes com lotações esgotadas. A última edição foi realizada em 2016, mas o legado do provavelmente maior evento independente da cena underground brasileira segue se difundindo.

Os atos do “Hardcore Contra o Fascismo” são um exemplo disso. Desde setembro de 2018, período que precedeu as eleições presidenciais, os eventos são organizados em diferentes cidades, com o objetivo de protestar contra o fascismo, a homofobia, o racismo e o sexismo, por meio de apresentações de bandas de diferentes vertentes do hardcore intercaladas com palestras sobre diversos temas, incluindo o veganismo, que se torna acessível também no que se come por lá. Além de palestras e entrega de panfletos e zines informativos, é comum ver pequenos grupos e negócios independentes vendendo sanduíches e salgados veganos, de fabricação caseira e preços populares. 

No primeiro ato de 2019, realizado em janeiro, a edição paulistana recebeu a cozinheira potiguar Mariana Araújo, do Delectus e do Libre Café, e os paulistanos André Vieland, do Urba, e Matheus Santos, da Casa Jaya, para falar um pouco sobre o veganismo e sua luta política. Já a última edição, que aconteceu no final de fevereiro, contou com a presença de Bárbara Miranda e Thais Goldkorn, do Outras Mamas, o primeiro podcast feminista vegano do Brasil. 

Na internet, o Canal Panelaço, apresentado por João Gordo, vocalista da banda Ratos de Porão (que ainda conta com o baixista Juninho Sangiorgio, uma referência vegan straight edge na cena) começou no final de 2014 com entrevistas e receitas veganas e hoje conta com mais de 230 mil assinantes. Os vídeos foram produzidos ao longo de dois anos e hoje a loja Central Panelaço, localizada no Bixiga, une comida vegana com diversos outros produtos ligados ao movimento punk, como discos e camisetas, saindo do YouTube para ocupar um espaço físico.


Como um movimento de resistência, o veganismo, que anda “em alta” nos últimos anos, pode até ter sido cooptado como dieta por parte da indústria, que tem encarecido de fato alguns produtos e os jogado no balaio da “vida fitness”, elitizando o consumo. No entanto, por outro lado, o seu viés político sempre caminhou muito mais próximo de outros movimentos de contracultura, que fazem do veganismo também uma forma de contestação junto a outras pautas libertárias, para além de uma dieta. Um instrumento de transformação social e de engajamento na luta pelos direitos dos animais, que se dá por meio de um consumo consciente e revolucionário em suas raízes, literalmente.

Guilherme Petro

Formado em Gastronomia pelo Mackenzie, já passou por diversas áreas dentro e fora dos restaurantes. Foi cozinheiro, garçom e fez gestão até de cozinhas universitárias. É gastrólogo, sommelier, bartender, assessor e fotógrafo de restaurantes, além de técnico em informática e de fazer ponto cruz, entre muitas coisas mais. Ele foi um dos jovens formado em Jornalismo pelo projeto Énois, e é co-autor e hoje coordenador do Prato Firmeza — Guia Gastronômico das Quebradas.