Cristiana Maymone é nutricionista mestre em Saúde Pública e professora no curso técnico de cozinha da Etec Uirapuru. Entre aulas no Jardim João XXIII, na zona Oeste de São Paulo, e a atuação no seu consultório nos Jardins, onde faz acompanhamento para a transição para o veganismo/vegetarianismo e suporte nutricional, Cris iniciou em 2016 o Sem Conservadores. Como o nome dá a entender, ela produz, de forma artesanal na própria casa, “comidinhas de esquerda”, como costuma brincar, por encomenda e entrega nas catracas das estações de São Paulo.

Tantas formas de atuação em prol de uma alimentação mais consciente e acessível renderam para ela uma história no Prato Firmeza – Guia gastronômico das quebradas de São Paulo e uma matéria na TV Folha.


Quando decidiu se tornar vegana? Como foi esse processo?
Não tenho um marco exato, as coisas foram acontecendo, se construindo e ainda [seguem] em processos de reflexão. Penso no assunto há uns 10 anos. Já tinha uma referência de vegetarianismo em casa, pela minha irmã, mas a definição de me tornar vegana veio com muito estudo na área de alimentação, mas não dentro de uma questão biológica, por uma questão política. 

Um outro fato marcante, foi quando eu saí da casa de meus pais para morar mais próximo do trabalho. No meu primeiro emprego pós-formada, salário baixo, uma das coisas que pensei para reduzir meu gasto foi retirar os produtos animais de minha alimentação e estudar de forma biológica como compensar essa restrição. Isso me fez descobrir muito de agroecologia e tantos alimentos da natureza que eu não conhecia.

De onde veio essa motivação política?
Estudo sobre conflitos agrários, degradação do meio ambiente e hierarquização das espécie, o que me fez pensar no veganismo. É além da alimentação vegana, excluindo os produtos animais, também tento questionar sobre o alimento como produto de consumo.

Teve alguma dificuldade na transição? Qual foi a maior e como fez para passar por ela?
A pouca convivência com pessoas veganas foi uma dificuldade. Não tenho muitos amigos veganos em meu ciclo de convivência e tive dificuldade de  abandonar alguns alimentos, até me convencia que eles não eram tão destrutivos ambientalmente. Mas fui atrás de informações e isso me deixa mais consciente de realizar uma restrição sem me maltratar e fazer a transição de forma confortável. E ainda estudo, penso que tem muita coisa que precisamos saber melhor sobre como certos produtos afetam a sociedade.

Você sempre quis seguir carreira na nutrição?
Sim, mas me perdi no processo… Na época do vestibular, em Recife, só havia uma opção de faculdade em Nutrição, que era a UFPE. Era tudo ou nada, e isso me causou medo e desconforto, porque as matérias específicas não eram as que eu era melhor. Gostava mais de matemática e acabei prestando para engenharia civil, que cursei durante um ano. Porém, nas minhas leituras pessoais, me deparei com Josué de Castro, que é um dos patronos do curso de nutrição no Brasil. Ler ele me convenceu que o que eu queria era nutrição. Hoje sou extremamente feliz e realizada com minha profissão. Não me arrependo dessa trajetória.

Seu mestrado foi em que área? O tema da pesquisa teve relação com o veganismo?
Fiz o mestrado em nutrição em Saúde Pública na Faculdade de Saúde Pública da USP. Minha área de concentração foi alimentação, ambiente e sociedade e foquei na antropologia da alimentação. Estudei sobre o contexto da alimentação entre os Guarani Mbya de uma aldeia em contexto urbano.  Para estudos acadêmicos, e também na militância, prefiro discutir o alimento e seus reflexos na sociedade, em vez de focar no veganismo, mas os argumentos acabam esbarrando naquilo que eu acredito sobre consumo alimentar, e assim, o veganismo.

No meu mestrado, estudei em uma das menores aldeias do Brasil e comparei a densidade demográfica da aldeia com da política da pecuária, que é bem discrepante. Por exemplo, na política da produção de gado para corte, preciso ter 1 hectare/gado, enquanto temos aldeias com 600 indígenas/hectare. Ou seja, a carne de gado é mais commoditie que alimento, está acima da condição humana dentro da nossa política.

Como enxerga o atual cenário alimentar, não apenas relacionado ao veganismo, mas num contexto geral em que vivemos atualmente?
Isso é uma pergunta super complexa… Por um lado a indústria e sistema capitalista grita querendo enganar os consumidores, por outro, cada vez mais existem movimentos que fazem uma verdadeira educação nutricional. Um grande exemplo é o nosso guia alimentar  da população brasileira, de 2014 e outros grandes esforços de organizações como o IDEC e a aliança pela alimentação saudável.

Como surgiu a ideia do Sem Conservadores?
Fim de mestrado, desempregada e com muitas ideias sobre a alimentação que eu acredito. [O Sem Conservadores] foi uma forma de juntar uma graninha com a vontade de dialogar sobre o que é uma comida de verdade e seus tentáculos políticos.

Você também é professora, certo? Quais matérias leciona?
Sim, amo ser professora! Uma coisa que sempre quis e estou tendo a oportunidade. Atualmente dou aula de História da gastronomia e hospitalidade, Preparo de trabalho de conclusão de curso e Desenvolvimento de trabalho de conclusão de curso.

Traz a discussão sobre o veganismo como conteúdo de sala de aula?
Eu nunca me apresento como vegana. Aos poucos que vou conhecendo os alunos e vou conhecendo as características deles, e eles vão conhecendo as minhas. Ser vegana é uma delas. É uma forma de não ser rotulada. Com o tempo, vamos abrindo um diálogo bem cuidadoso sobre esse tema, respeitando o conteúdo de aula, e acho muito proveitoso. Acredito também que pode ser uma forma deles se aproximarem profissionalmente desse universo e conhecer um pouco o deles. 

Já precisei dar aula de Técnica dietética e gastronômica que tem um conteúdo sobre leite. Foi torturante para mim, então abandonei. Isso faz com que, infelizmente, eu não possa estar disponível para todas as disciplinas.

Discuto um pouco sobre commodities na disciplina de história da gastronomia quando falo de globalização. Então mostro sobre dados sobre a pecuária, avicultura, milho, soja e cana-de-açúcar. São sempre temas que fundamentam o veganismo e uma alimentação política, mas que não necessariamente sejam o tema central.

Como é a receptividade das alunas e alunos com o tema?
Me sinto muito respeitada por eles, percebo curiosidades. É bem legal que, depois de eu entrar na escola, sempre tem alguém querendo falar de veganismo no seu TCC. Além do mais, alguns alunos me procuram porque querem fazer a transição, então empresto livros. E sempre que precisam fazer uma comida para trabalho, eu nunca exijo uma opção vegana, mas informo que não vou consumir, e a grande maioria faz uma versão vegana para que eu prove. Acredito que isso enriquece também o repertório deles e acho bem respeitosa a forma como eles me tratam.

Quais os planos para o futuro profissional, com o Sem Conservadores e na carreira?
O Sem conservadores, continuando como está, é ótimo! Gosto do ritmo que tenho com ele. Eu adoro receber encomendas de pessoas que foram indicadas por outra pessoa que consumiu. Conseguir vender sem muita publicidade só no boca a boca, é a minha maior realização! Para a carreira, eu gosto da área acadêmica, quero continuar com pesquisas e como professora.

Quais dicas daria para quem está começando a conhecer o veganismo?
1. Antes de retirar qualquer alimento, descubra outros que podem ser do seu hábito;

2. Busque informações teóricas sobre tudo que trata o veganismo. Isso não é difícil.

O que indicaria para os seguidores do LoveVeg no que se trata de bibliografia sobre veganismo e alimentação, além de lugares para consumir?
Livro – A política sexual da carne: a relação entre carnivorismo e a dominância masculina, de Carol Adams
Paper – Vegetarianismo como ação política, por Heron Santana
Trabalho acadêmico – Veganismo, feminismo e movimentos sociais no Brasil, por Lorena Lúcia Cardoso Monteiro e Loreley Gomes Garcia

Para consumir, conheçam o Instituto Feira Livre, o Armazém do Campo e grupos de compra coletiva agroecológica. Realizem compras que não se fundamentam no consumismo. Muitos veganos entram em uma onda vegana e consumista e por isso um senso comum de vegano é caro. Veganismo não é consumir e nem gastar muito dinheiro, mas sim, respeitar o alimento. E comam em casa.

Cristiana Maymone – Sem Conservadores 
Contato: (11) 95281-6957 | [email protected]
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Obs: funciona apenas com entregas nas estações de metrô. Encomendas devem ser feitas com pelo menos 24h de antecedência.

Guilherme Petro

Jornalista, cozinheiro e professor de culinária, é co-autor do Prato Firmeza – Guia Gastronômico das Quebradas e cria conteúdos sobre alimentação consciente e acessível. Acompanhe mais no Instagram @guilhermespetro.