Comida anarco-vegana com preço acessível que mostra que a quebrada já está fazendo o próprio corre para se alimentar melhor

Como falar sobre veganismo na quebrada? Mais importante: como fazer isso sem soar paternalista e ser impositivo com um discurso que pode ser agressivo e insensível, uma vez que inevitavelmente toca em um aspecto cultural muito bem enraizado e geralmente tão importante para tanta gente? Exemplos não faltam. Os irmãos das páginas Vegano Periférico e Vegano de Quebrada, a Caroline Silva e Thallita Flor são algumas dessas pessoas que já estão fazendo esse corre e mostrando como o veganismo pode ser acessível.

Outra iniciativa que coloca isso em prática está em São Miguel Paulista, no extremo leste da capital paulista. Numa cozinha de uma da casas da pequena Travessa Masserata, no bairro da Vila Rosaria, acontecem uma daquelas pequenas revoluções cotidianas que mudam vidas completamente. A anarco-vegana Cozinha Libertária nasceu em 2015 numa ocupação na região da Penha, mas se instalou definitivamente na casa da Dona Oneide Duarte, dona do espaço e das mãos da resistência que produzem deliciosas marmitas entregues diariamente na região por amigáveis R$15.

A casa funciona apenas com entrega (os pedidos podem ser feitos diretamente pelo Whatsapp ou pelo aplicativo Ifood) e retirada e de lá saem pratos como a macarronada com molho branco de alho-poró, as panquecas recheadas, o baião de dois e a feijoada com muitos legumes e amor, como costumam dizer. Abóbora, batata, batata doce, beterraba, cenoura, maxixe e coco frito trazem ainda mais brasilidade nessa releitura vegana do clássico nacional.

Há sempre opções de sucos naturais, que custam R$6 a garrafa de 500ml e R$8 o litro e, para completar a sustentabilidade do negócio, as entregas são feitas de bicicleta e muitos dos ingredientes usados no preparo dos pratos, que variam diariamente (acompanhe a página do Facebook para saber a opção do dia), vem da própria horta do quintal da casa. Inclusive, foram de pés de jaca da rua do bairro que forneceram as frutas que resultaram nas primeiras coxinhas veganas que originaram a ideia do empreendimento. Deu tão certo que, anos depois, mesmo após a época das jacas, a Cozinha Libertária segue fazendo política em forma de comida.

Não é em todo lugar que tem uma startup de negócio verde conceitual abrindo toda semana, nem mercado com seção de produtos naturais. Às vezes não tem nem mercado. Enquanto isso, na TV, vemos um bombardeio de propagandas das mais diferentes gigantes da indústria e seus vídeos coloridos de produtos supostamente saborosos e simples de preparar, sempre mostrados em um contexto feliz, como o churrasco do final de semana, que é um dos poucos respiros de muita gente que passa o resto dos outros dias trabalhando duro. 

Dentro desse contexto, muito se fala sobre a acessibilidade do veganismo e como pode ser difícil adotar uma dieta totalmente livre de produtos de origem animal. Isso tem relação com tempo e dinheiro, mas também com educação e aos próprios espaços físicos da cidade, como os restaurantes (incluindo os veganos), que ainda se concentram nas mesmas regiões mais centrais e ricas. Assim, veganismo pode ainda ser uma palavra nova ou estranha para muita gente, mas felizmente, do outro lado da moeda e da ponte, a resistência continua sendo feita pela geografia. Como na Cozinha Libertária, de forma autônoma e anárquica, todas as inovações reais começam pelas bordas. 


Cozinha Libertária
Travessa Masserata, 94A – Vila Rosária, São Paulo
Telefone: (11) 2031-5305 | 99979-7945 | 94235-6822
Horário de funcionamento: segunda a sábado: 10h às 15h
Aceita cartões de débito, crédito, Sodexo e VR
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Guilherme Petro

Jornalista, cozinheiro e professor de culinária, é co-autor do Prato Firmeza – Guia Gastronômico das Quebradas e cria conteúdos sobre alimentação consciente e acessível. Acompanhe mais no Instagram @guilhermespetro.